Com Tom do Sertão, Xitãozinho e Xororó, 40 anos de carreira nas costas e milhões de discos vendidos, embarcam na onda tributária para ingressar de vez no Olimpo da música popular brasileira. O disco chega apenas em janeiro às lojas, mas já é possível perceber, pelas faixas liberadas, que a dupla realizou uma mera apropriação do cancioneiro de Tom, adaptando-o ao abecedário do gênero ao qual dedicou a maior parte da sua vida. Eles precisam mesmo disso?

Chitãozinho e Xororó: álbum ao repertório de Tom Jobim em TOM DO SERTÃO, nas lojas em janeiro de 2015
Para os ascetas da música popular brasileira, sertanejo e bossa nova são antípodas inequívocos. De fato, pelo menos em tese, parece difícil encontrar um ponto de interseção entre dois gêneros – industrialmente elaborados – musicais que, presume-se, reproduzem a falsa contradição cidade/campo, associada à antinomia civilização/barbárie. Talvez por isso bossanovistas convictos jamais enfiem a viola no saco – desculpem, não resisti à piada…
Nesse sentido, qual seria o elo entre a música da dupla Xitãozinho e Xororó e a de Tom Jobim? O porquê da pergunta é, em primeiro lugar, o mais recente lançamento dos irmãos que estouraram no início da década de 1980 com a pungente “Fio de Cabelo“, puxando a vendagem de mais de 1,5 milhão de cópias do disco Somos apaixonados – bons tempos da indústria fonográfica!; o segundo, menos óbvio, é provocar uma breve reflexão sobre as mais recentes estratégias da indústria do disco e de determinados artistas para manter um sistema agonizante em tempos de downloading, procurando ao mesmo tempo reinventar a si próprios e a indústria fonográfica.
Tom do Sertão, o mais recente disco da dupla sertaneja, chega às lojas apenas em janeiro do próximo ano, mas duas faixas e um videoclipe foram liberados on line há alguns dias, quando dos eventos ligados aos 20 anos da morte de Tom Jobim. O lançamento, óbvio, é estratégico. Mas não pelo que se pensa à primeira vista. É notório que o grosso dos artistas mainstream da MPB – a sigla pantagruélica que compreende toda a música não erudita feita no Brasil – perdeu a criatividade há algumas décadas. Daí a abundância de “releituras”, versões e covers de toda ordem. O que se ouve nas canções divulgadas na internet (“Correnteza” e “Águas de Março”) é uma adaptação ao beabá (do que se julga ser) sertanejo, com cara de BG de alguma trilha musical de telenovela. Fora os arranjos, não há grande novidade no que a dupla fez com o cancioneiro de Tom. O timbre rascante dos cantores é o mesmo, e o exagero nas interpretações dá a sensação de que os ensaios para a gravação ocorreram num karaokê. Há apropriação das músicas, deveras, mas apenas isso.
O que ressalta no disco não é o trabalho em si, afinal, competente, mas a necessidade boba que alguns artistas e a indústria do disco têm de tornar fenômenos populares em biscoito fino para o consumo das massas ao longo do tempo. Quase todo cantor, compositor etc. brasileiro que estoura e sobrevive no panorama musical tupiniquim terá fatalmente que prestar tributo a alguma figura consagrada no Olimpo da música popular brasileira. Ivete Sangalo já pagou de bossanovista, num dueto super sem-graça com Rod Stewart – que lançou uma série de álbuns de covers de standards do cancioneiro popular estadunidense; Lulu Santos jogou nas lojas há pouco um disco dedicado à dupla Roberto/Erasmo Carlos… e a lista dos “encontros musicais” de iniciativa duvidosa abundam, quase todos procurando estabelecer qualquer ligação entre o que aparece – apesar da mídia – e o Pantagruel musical do nosso país, a MPB, eivada do princípio tropicalista de apropriação elitista dos fenômenos pop. Chitãozinho e Xororó não escaparam À regra e apenas fazem o que tantos dos seus colegas vêm fazendo em termos musicais ultimamente. Com mais de quatro décadas de estrada, eles não precisam de Tom Jobim para aparecer e vice-versa.
Pena que nossos músicos populares tenham a autoestima tão baixa para embarcar em engodos de executivos e produtores de gravadoras.
Eis a faixa “Águas de Março”, versão Xitãozinho e Xororó:
Clique aqui para assistir o vídeo inserido.
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